Vinha a ouvir no rádio uma fulana a dizer que não tinha ficado não sei aonde porque lá havia tantos músicos bons que ia ser só mais uma.
Isto revela muita coisa. Primeiro uma coisa que não percebo, esse desejo quase doentio da fama, do destaque. Que não pode ser confundido com o desejo de não ser ignorado, de não ser invisivel.
Uma coisa é não querer estar isolado ou excluído, que é natural e possível para todos sem excepção.
Outra é o desejo competitivo de ser reconhecido mesmo por pessoas que nem sabe que existem.
É absurdo, bizarro e inumano no que temos de maravilhoso, a solidariedade.
Porque não sou o único a olhar o céu.
E não sou só mais um. Sou ainda mais um.
Há quem diga que o mundo vai acabar em chamas,
Há quem diga que em gelo.
Pelo que me foi dado experimentar do desejo
Estou do lado dos que preferem o fogo.
Mas se ele viesse a perecer duas vezes,
Julgo conhecer do ódio o bastante
Para dizer que para destruição o gelo
Também é bom
E era quanto bastava.
Este é o nosso chão, esta é a nossa força.
um pouco antes da desperança
Getting close by going far away
Going far by staying here
Tanto para fazer e tão pouco tempo,
pouco a fazer em tempo nenhum
Disse Romualda Fernandes, deputada e negra, depois de ser eleita:
«A partir de agora nós, mulheres negras, cada vez que olharmos para a escadaria da Assembleia da República não nos iremos ver apenas com baldes e esfregonas para limpar: estamos lá dentro, temos voz e podemos sonhar.»
O que me grita nesta frase como regra imutável da vida é que as esfregonas por norma não têm voz nem podem sonhar.
Pouco me alegra que neste parlamento tenham estado três mulheres negras com voz e sonhos. Porque para a grande maioria, ao nascer mulher e negra terá como destino um balde e esfregona.
A alegria virá no dia em que voz e sonhos não sejam privilégio de poucos, e as esfregonas deste mundo sejam tudo o que podem ser.