José Afonso -
Era Um Redondo Vocábulo
José Afonso - Era Um Redondo Vocábulo
José Afonso - Era Um Redondo Vocábulo
<iframe src='https://tintanobolso.rodrigues.pt?action=embed_zoomsounds&type=player&margs=eyJjb25maWciOiJ0aW50YSIsInNvdXJjZSI6Ilwvd3AtY29udGVudFwvYXVkaW9cL211c2ljXC9Kb3NcdTAwZTkgQWZvbnNvIC0gRXJhIFVtIFJlZG9uZG8gVm9jXHUwMGUxYnVsby5tcDMiLCJhcnRpc3RuYW1lIjoiSm9zXHUwMGU5IEFmb25zbyAtICIsInNvbmduYW1lIjoiRXJhIFVtIFJlZG9uZG8gVm9jXHUwMGUxYnVsbyIsInBsYXlfdGFyZ2V0IjoiZm9vdGVyIn0%3D' style='overflow:hidden; transition: height 0.3s ease-out;' width='100%' height='180' scrolling='no' frameborder='0'></iframe>
De vez em quando vou a espectáculos de um grupo da minha zona que interpreta canções do Zeca. Bom trazeres-me à memória esses serões. Assim como é bom, porque enche a alma, regressares com a ‘poesia desconstruída da canção redonda, como redondo é o vocábulo’, para usar as palavras do Pedro Rolo Duarte que, a 19 de Agosto de 2009, escreveu o seguinte a propósito desta canção:
“Se fosse vivo, José Afonso faria 80 anos neste Agosto de 2009. Aqui há um tempo, a pedido do António Macedo, escolhi para a Antena 1 as cinco canções da minha vida. Uma delas era de José Afonso e sobre ela disse no rádio o que se segue:
“São anos de vida assim: sempre que me perguntam qual a melhor canção portuguesa de sempre, eu digo simplesmente “Era Um Redondo Vocábulo”, José Afonso. Sei que é injusta esta escolha – porque eu não conheço todas as canções portuguesas de todos os tempos. Mas é com essa noção de presumível injustiça que ainda assim escolho esta. Ela reúne, a um tempo, o melhor de José Afonso e do seu tempo: a poesia desconstruída, os notáveis arranjos que vão de Coimbra a Angola e voltam, passando por Lisboa a atravessando tempos e tempos, a composição absolutamente irrepreensível de um ambiente, de uma paisagem, onde entramos em apenas segundos e por lá ficamos minutos. Por lá ficamos até ao fim. A canção é redonda, como redondo é o vocábulo – e o génio está ali. Por isso está aqui”.
Mais tarde soube que tinha sido escrita e composta na prisão, algures nos anos 70, o que ainda enriqueceu mais a minha escolha.”
E a foto é tão bonita!
Não acredito em ídolos ou deuses, mas há qualidades humanas que admiro. E o Zeca tinha muitas dessas.
Tudo o que diga sobre ele, sabe-me sempre a pouco.
Excelente. Agradeço-te a ti o relembrares e à Isabel Pires o ter posto o que o que Pedro Rolo Duarte escreveu e que não conhecia.
Obrigada a ambos
Inconfessável, acredito que também se ama algo, neste caso uma canção, compositor e intérprete, pelo que se faz, diz, escreve, sobre o assunto. Também se ama pela memória. E é por isso que guardo estes pedaços com que me vou cruzando, às vezes ao acaso, outras nem tanto.
Não foi difícil agora saber onde tinha guardado o texto porque houve dois aspectos que fixei: como o PRD se desembrulhou daquele tipo de perguntas complicadas – qual o filme da tua vida, qual a canção da tua vida… – e também a humildade com que assumiu a “presumível injustiça”.
E ao fim de seis anos e meio isto ainda me parece mais delicioso, como se o tempo acrescentasse valor. E talvez acrescente, sim.
Acho que não gostamos mais do Zeca pelo que se escreve, acho que gostamos do que se escreve sobre o Zeca porque gostamos dele.
E no caso dele, acho que qualquer coisa que se diga o prejudica porque o reduz
Dizer que era um musico genial, é limitá-lo ao músico
Dizer que era um poeta incomparável, é limitá-lo ao poeta
Dizer que era uma pessoa duma generosidade, coragem e humildade sem tamanho, é limitá-lo à pessoa
Viver num mundo, onde o Eusébio via para o panteão e o Zeca é esquecido em morte tal como o foi em vida, diz tudo sobre esse mundo.
Lembrar que um homem como o Zeca na fase final da vida nem posses tinha para fazer face ás despesas da doença que o veio a matar, e que nem assim mudou uma virgulas das suas crenças e forma de estar, diz tudo sobre ele.
E diz também imenso sobre quais as qualidades que são meritórias e bem recompensadas entre os homens.
Nao disse que se ama mais. Disse que tambem se ama. Tanto assim e que tambem foste as memorias. Luis nao consigo escrever mais e bem-estou num telm. E ainda nao percebo da cena… bolas.
Era inevitável. Fez 29 anos da sua morte, e nunca me hei-de esquecer do funeral, onde estive completamente por acaso.
Foi dos momentos mais emocionantes da minha vida. Nunca me hei-de esquecer das caras, do ar, das rua por onde passamos. Havia grupos que cantavam. E agora, só de me lembrar, molham-se-me os olhos.
Ainda havia gente a sair da escola comercial de onde partiu o cortejo, e já na frente tinham feito o enterro. Nunca vi tanta gente nas ruas de Setúbal. Foi bonito.
Não podes esquecer que, hoje em dia, é quase uma afronta ir para o panteão nacional. Se fosse familiar do Zeca, garanto-te que não o deixava ir.
Estou a falar muito a sério.
Está bem visto, sim senhor.
Se tivesse que trabalhar na assembleia todos os dias no meio de políticos (peço desculpa pelo palavrão) matava-me ainda mais depressa
Ontem tive pena de não poder acompanhar esta ‘discussão’, pois havia a vontade de dizer duas ou três coisas.
Agora também não sei se estou a fazê-lo no sítio certo por causa dos níveis. Vai aqui porque, de certa forma, tem que ver com o que os vários intervenientes disseram. Peço desculpa para o caso de estar desnivelada.
Por coincidência, há uns dias, com um músico amigo, falámos sobre o Zeca. Eu que, tal como o anónimo, não tenho ídolos ou deuses, conforta-me e faz-me bem reconhecer a genialidade de quem não se fica pela mediania, sobretudo em condições adversas. Dizia nessa conversa que na minha opinião o patamar de excelência do Zeca muito se deveu à forma como conseguiu cruzar tão bem vários universos. As convicções, o amor, o trabalho, a vida de todos os dias, a intervenção político-social… universos que, tal como julgo que o Luís quis dizer, não se devem circunscrever a uma dimensão.
Quanto à questão da doença, dificuldades que passou, homenagens, panteão.
Às vezes a vida coloca-nos em circunstâncias que nos levam a ligar pontas até aí não imaginadas e talvez nos remetam para uma reflexão mais fina. Um acaso muito feliz para mim, apesar da infelicidade, mas a felicidade também se pode apanhar no mau. Obviamente que o que vou dizer não viola a privacidade, até porque na altura publiquei um texto em suporte físico.
Em grande parte dos meus longos meses de fisioterapia, na sala de tratamentos cruzei-me diariamente com uma mulher que tinha a mesma doença do Zeca. Com a técnica que acompanhava ambas, a mim e a ela, chegámos a falar no assunto. “Ela vai morrer disto, não há como evitá-lo, mas podemos proporcionar-lhe melhor qualidade de vida… E isto até para nós é doloroso porque são doenças em que estão conscientes até ao fim.” Aquela mulher, julgo que sem o saber, ajudou-me muito porque do primeiro ao último dia (a única pessoa que vi morrer), balbuciava umas palavras ou acenava-me em conjunto com um sorriso quando já não falava. Sem o saber aquela mulher devolveu-me à minha insignificância e fez-me pensar muito nos que, tal como o Zeca, não puderam receber os mesmos cuidados. Não por serem tratamentos de ponta, já existiam, mas porque só algumas unidades (falo de hospital privado) o disponibilizam, com custos suportados pelo doente.
Esta vivência levou-me a pensar muito no Zeca, na honestidade, lisura… E isto nunca mais se despegou de mim.
Ora, se o Zeca foi esquecido em vida por quem ter poder de decisão, na altura em que realmente era muito mais importante que fosse apoiado, as homenagens póstumas por essa via (não digo sociedade civil) seriam perfeitamente dispensáveis. Assim, estou completamente de acordo com a Inconfessável quando diz que se fosse familiar do Zeca não deixava que fosse para o panteão.
E já que estou neste ponto, e correndo o risco que me caia o Carmo e a Trindade, reafirmo o que já disse muitas vezes: não me identifico nada com homenagens póstumas, as manifestações que têm que ver com o culto dos mortos em nada me sensibilizam, não me aquece nem me arrefece que os designados ‘notáveis’ estejam no panteão. Aliás, até me arrefece mais. Até muito pelo show que costuma ser montado, como aconteceu com o Eusébio.
Contudo, não estou contra as homenagens que se fazem à obra de determinadas figuras (mas isso não é culto dos mortos, mas sim da vida; a obra é vida) e já participei em várias organizadas pela Associação José Afonso ou com o apoio da mesma entidade.
Nem tinha ainda falado directamente na questão da doença. Como se consegue manter o ânimo, a coerência quando a vida lhe volta as costas, e já não há nada a esperar? É preciso algo que pelo menos eu certamente não tenho.