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Gosto quando me aparecem complicações à volta, já não tenho que as fazer.
Na verdade não gosto. O que me vale é a indiferença.

14 comments

  1. Se as complicações te tocarem, nem que seja de raspão, tens de as desfazer. E talvez seja pêra mais amarga desfazer no que não interferimos erguer do que no que é da nossa responsabilidade.

    Há complicações relativamente às quais não podemos ficar indiferentes. Não dá. Quando o bem-estar ou a vida dos nossos, ou a nossa, estão em jogo, a inércia é um homicídio ou um suicídio.
    Não falo em vida/morte apenas no plano físico, no morrer de corpo.

    Mas aquelas três frases levaram-me a pensar noutra questão que de vez em quando ocupa a minha cabeça.
    Na generalidade, a tendência do ser humano é para que quando se liberta de obrigações e resolve problemas que estão na calha, passado pouco tempo procure outras actividades e tarefas para agarrar nova rotina através de novas obrigações. Com as complicações é um pouco semelhante. Quando estão ultrapassados determinados problemas, começa-se a analisar mais detalhadamente a parte que esteve de “folga”.

    E isto agora daria para saltar para a liberdade tão almejada. O que é ser livre? Queremos ser livres e fazemos por isso ou andamos em constante contradição?
    A este propósito ocorre-me um excerto do seguinte livro: “O Revisor”
    de Ricardo Menéndez Salmón (2010), excerto que agora não tenho aqui para deixar, mas que tenho pena por ser tão certeiro sobre estas questões da liberdade, das obrigações.

    1. Liberdade é poder dizer não. Por isso me vou tentando libertar da auto-ditadura do tenho da primeira frase.

      1. Concordo com esta tua primeira frase da resposta, contudo tenho dúvidas se a liberdade se deve restringir ao não e ficar no plano da negação.
        É que assim não se partirá do princípio que a liberdade se ergue sempre a partir de algo existente?
        Não poderá, ou não deverá também, a liberdade nascer da construção de algo novo?

  2. Afinal dei com a pen que me socorre em qualquer parte do mundo, e que agora me devolveu os excertos do livro que citei anteriormente – “O Revisor” – e que é de 2008, e não de 2010 como tinha referido.

    “A minha vida foi muito intensa durante aquele período de separação. Estava a viver com Zoe há quase quatro anos e de repente, de um dia para o outro, vi-me sozinho, sem amarras, sem companhia, livre como um passarinho.
    Mas na realidade a liberdade é uma chatice. Quase todas as pessoas passam a vida a lutar para ser livres, descobrindo, no momento em que a liberdade lhes é concedida, que a liberdade é uma coisa muito difícil. Depressa, então, nos rodeamos novamente de obrigações, de contratos e de sujeições de todo o tipo; obrigações, contratos e sujeições que, regra geral, nos proporcionam uma espécie de invulnerabilidade. Hoje estou convencido de que não existem pessoas que desejem a liberdade. As pessoas adquirem hábitos e contraem obrigações com a maior rapidez possível. ”

    “A verdadeira maldição da vida não é o trabalho, nem o absurdo da existência, nem sequer a dor ou a doença: a verdadeira maldição da vida é o tédio. Só quem vence o tédio viveu, só quem é capaz de fazer outra coisa além de matar o tempo merece dizer “vivi”.
    Só nos livros, quer como leitor, quer como escritor, quer como revisor, consegui vencer essa sensação de fastio infinito diante dos acontecimentos da vida. As viagens cansam-me tal como a Natureza cansava Hegel, que a via repetir-se a cada passo; a política cansa-me tal como cansa assistir repetidamente à mesma comédia representada por cães de diversas pelagens mas que, no entanto, ladram numa clave idêntica; até as drogas ou os prazeres do corpo me arrastavam, invariavelmente, para uma espécie de antieuforia, de apatia monstruosa.”

    “A grande doença do homem é procurar um sentido e uma finalidade para tudo o que acontece. Evidentemente que não acredito nas causas finais, só nas eficientes. (…) A nossa vida, toda ela, desde que amanhece até à hora do lobo, é uma grande mentira, uma sombra, um intenso simulacro. (…) É para habitarmos essa mentira, para nos reconciliarmos com essa sombra e com esse intenso simulacro, para conciliarmos tudo o que sabemos com tudo o que podemos suportar saber, que existem coisas como a literatura.”

    “Os dois meses de insónias de Zoe fizeram-me compreender a nossa fragilidade, uma fragilidade mais acentuada à medida que envelhecemos. Somos pouco, muito pouco, um fio entre duas trevas, e basta um acaso, uma aragem, um incidente a meio da noite, para que o fio se parta, caia no vazio, se torne invisível.
    Por isso temos de nos amar desesperadamente, como se cada dia que passamos juntos fosse o último. À excepção do amor, qualquer assunto deste mundo pode ser deixado para amanhã.
    Nada nos torna tão sábios como a dor. Há uma lucidez na experiência da dor que não se pode conquistar de outra maneira que não sofrendo. De facto, se não nos esquecêssemos da nossa experiência da dor, creio que seríamos eternamente sábios e que já nada nos feriria; infelizmente, até a sabedoria da dor se esquece, e recaímos novamente nos nossos velhos e imperfeitos costumes.”

    1. Concordo mais sobre o sentido e razão de ser do que sobre a liberdade, Que são coisas distintas de qualquer dos modos.

      1. Volto aqui por causa do conceito de liberdade.

        É que ando a reler “Meu amor, era de noite”, de Vasco Graça Moura, e ontem dei com isto que me lembrei poder estar associado ao que se falou por aqui:
        “… para depois ainda, voltar a sentir-me completamente só nessa luta contra os elementos como num corpo a corpo, contra o tempo e o espaço e o próprio destino.
        O destino é sempre o que nos acontece sem o termos previsto, querido e planeado. A nossa liberdade está no que decidimos fazer com o que nos acontece.”

  3. Pessoalmente, a última citação é a mais importante e devolve-me à primeira.
    Nunca quis esse tipo de liberdade. Uma vez, senti-me livre de um pesadelo, livre para prosseguir a vida, mas sabendo que escolheria sempre o amor.
    É uma chatice só aprendermos com a dor. Evidentemente, o tédio mata.
    Vou procurar o livro
    Obrigada Isabel Pires

    1. Inconfessável, tenho o livro e posso emprestar-to. Gosto de emprestar livros a quem ama as palavras. Também lei-o livros emprestados.
      Posso enviá-lo / deixá-lo onde quiseres. Basta que me digas para este endereço: isabelvcpires@gmail.com (é que não tenho a certeza se no meu sítio se dá logo com ele).
      Estás à vontade!

      1. Obrigada Isabel. Se não o encontrar peço-to. Beijinho

    2. Todos os dias aprendemos e desaprendemos com todas as coisas. Boas e más.
      As que doem, ficam mais porque chateiam.

  4. Conheço essa indiferença, Luís, é quase como o tédio. Deixa-nos sozinhos no meio das pessoas

    1. O que é pior?
      Não realizar os desejos ou não desejar?

      1. Sei que a resposta está no alinhamento da Inconfessável, mas se puder meter uma colherada…
        Pior é não realizar os desejos.
        Porque quando não se deseja não se constrói o desejo, ele não existe. E se o desejo não existe não pode provocar-nos dor.
        Já a não realização pode causar dor, caso ela decorra e seja assumida como impossibilidade de vária ordem, impotência.

        1. Completamente de acordo com a Isabel

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