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Sou troglodita a dobrar, pelo menos

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Há coisas que não me entram na cabeça, que não consigo deixar de achar absurdo.

Se houver um cão abandonado ou perdido, vejo milhares de partilhas e campanhas para lhe arranjar um sítio onde ficar. Não acho isso necessariamente mal.
O que acho mal é que para as centenas de pessoas abandonadas, a dormir na rua ao frio e à chuva, não existam campanhas e partilhas.

O que não percebo é que dar um pontapé num cão levanta um coro de indignação e um montão de vídeos no Facebook a denunciar a brutalidade.
Mas se der um pontapé no gajo que está à minha frente ninguém liga. Quanto muito terei direito a um comentário de café: estava ali um gajo que de repente sem motivo nenhum, vira-se e deu um pontapé no outro.

Isto é aberrante porque julgo que as pessoas estão muito antes dos animais, que é preferível matar 10 cães a cortar a perna duma pessoa.
Os defensores dos animais não dizem explicitamente que os animais devem ter tanto direitos como os homens. Mas muitas vezes tomam posições em que os põem à frente dos homens.
E fazem-no com uma sanha tal, que como no caso das ciclovias, se torna difícil dizer que o rei vai nu.

Publica o Nuno Markl nas inevitáveis “redes sociais”:
“Na venerável Faculdade de Direito de Coimbra, as novas leis de defesa dos animais foram debatidas… Professores académicos, em cuja academice eu defeco; são criaturas desprezíveis e trogloditas que representam com clareza o complexo de inferioridade nacional: às vezes somos tão pequenos que só conseguimos sentir-nos maiores diminuindo os alvos mais fáceis. Senhores professores, ide para o c#%*lho.”

Terá o Nuno Markl nalgum momento futuro uma publicação tão sentida como esta, mas desta vez a defender os direitos dos homens?
Fiz uma pesquisa rápida e a única outra indignação que encontrei, foi contra a censura. Tinha sido barrado de fazer likes no Instagram.

Acho que o que o motivo é que se tem pena dos animais, olha-se para eles e pensa-se ‘coitadinhos’.
Já dos homens não temos pena. Os homens não têm aquele olhar, nem nos lambem a mão. Consciente ou inconscientemente acha-se que quem dorme na rua é porque é drogado, preguiçoso ou burro. Que quer ou merece dormir na rua.

Se lhes cai uma bomba em cima é porque são maus. Se cair um prédio é porque são imprevidentes.
Os animais, não. Os animais são inocentes, fofos e precisam de nós.

É preciso pensar que também os homens são inocentes e precisam de nós.
Mesmo quando não são fofos.

8 comments

  1. Se deres, publicamente, um pontapé num gajo qualquer, é crime. Ele poderá fazer queixa de ti e pagarás uma multa.
    Dito isto, estou totalmente de acordo contigo.

    Mesmo sobre a Síria, desde a guerra às armas químicas, passando pelos refugiados, comparativamente, pouco se publica.

    Sobre os que vivem e morrem na rua, não se fala, aliás, são invisíveis, mesmo que passemos ao lado deles.

    1. Sim a lei protege mais os homens, e bem. A tal indignação publica das redes sociais protege mais os animais, acho eu.
      E concordo as alterações legais para punir os maus tratos a animais. Mas é por aí que se deve parar.

      O problema é que o fundamentalismo de alguns dos defensores dos direitos dos animais é irracional.
      Depois de já termos cães com melhor assistência médica que os homens, em breve irão pedir que parte dos fundos do SNS seja para clínicas veterinárias.

      Sobra a invisibilidade, não podia concordar mais. Fica aqui um video de que falo com frequência porque acho que resume bem a coisa
      https://www.youtube.com/watch?v=Ppe3VAU6qJc

  2. Muitas vezes assalta-me a dúvida se estaremos mais tolerantes…
    Ou se pelo contrário usamos artifícios para fingir que estamos.

    Fazer alguma coisa por pessoas em condição de grande fragilidade, dá mais trabalho e requer outro tipo de exposição por causa da resolução de conflitos. Com os animais, que não discutem connosco e vão para onde os levam, é mais fácil fazer o brilharete e agarrar a sensação de que já se fez o bem pela comunidade. Vejo situações em que isso funciona como “eu já fiz a minha parte”.
    Também é interessante verificar como o exercício do poder/autoridade está aqui camuflado, barrado de doce. Com as pessoas têm que se dialogar e negociar, estão no mesmo plano/espécie. Nos bichos manda-se e amestram-se.

    Nisto, até há medidas que surgem em nome do bem dos animais, mas o que têm em conta é o interesse e comodidade dos donos e até prejudicam os bichos. É o caso dos animais nos restaurantes. É razoável, bom para o cão, ser obrigado a estar quietinho e calado uma porção de tempo?

    Mesmo em situações simples da vida diária, nota-se que a cegueira da protecção dos bichos tem cegado muitos donos ao ponto de não respeitarem as outras pessoas quando levam os animais.
    Já escrevi mais do que uma vez no meu sítio sobre encontros destes com cães.
    Tenho muito medo de cães por causa de um episódio quando tinha cinco anos, que vi um morder à minha mãe e tirar-lhe um bocado da perna; aquela imagem ficou cá. Para além disso, não gosto que me sujem e estraguem a roupa com que vou para o trabalho ou para onde for. Reajo quando algum vem para me saltar (na verdade entro em pânico), e o habitual é não aceitarem bem, fazerem-me sentir que eu é que estou mal, que não gosto dos bichos. Até podia não gostar, só interessa que não lhes faça mal. Mas os donos também têm de zelar para que os animais não me façam o que eu não quero.

    Já tive uma cadela, quando tinha nove anos. Gostava muitíssimo dela e custou-me imenso que tivesse morrido.
    Mas o bicho não entrava na nossa casa, nem se passeava por cima das nossas coisas. Tinha o seu espaço no quintal e era ali que havia as brincadeiras com ela. Sempre houve o entendimento de fazer diferença entre o que era próprio das pessoas e dos animais, e não deixou de ser bem tratada por isso.
    Digo isto porque me parece ter-se perdido bastante esta noção de planos diferentes, não só no espaço, claro.

    1. Esta questão dos animais não tem nada a ver com tolerância, a menos que esta agora se exprima assim:
      “Professores académicos, em cuja academice eu defeco; são criaturas desprezíveis e trogloditas… Senhores professores, ide para o c#%*lho.”

      “Parece ter-se perdido bastante esta noção de planos diferentes” isso também me parece, aliás tenho a certeza.

      1. Luís, quando falei em tolerância – e até queria dizer tolerância social, mas não especifiquei – era no sentido da aceitação de opiniões e comportamentos diferentes daqueles estabelecidos pelo meio social em que se está inserido, a qual é fundamental para se tratar dessa questão dos que vivem na rua e noutras situações de grande fragilidade, ou pelo menos fazer-se alguma coisa.
        Os juízos de valor apriorísticos do tipo “é porque quer, são maus, não querem trabalhar, etc.” são contrários à tolerância que se deve ter para funcionar em sociedade.

        (Não me referia a nada do que citaste do Nuno Markl. Até prestei muito mais atenção às tuas palavras.)

        1. Nem é tanto a questão de graus de tolerância, mas de escolhas das causas.
          Se o Nuno Markl, depois ver gastar dezenas de milhares de milhões de euros nos banqueiros do BPN e BES, dois dias depois de ouvir dizer que não há 100 milhões para aumentar pensões de 300 euros, ou ignorar quem vive na rua, dissesse:
          “Ministros, em cuja governação eu defeco; são criaturas desprezíveis e trogloditas… Senhores governantes, ide para o c#%*lho.”

          Batia palmas,porque há coisas que toleramos e não deviamos

          https://www.escritas.org/pt/t/13438/eu-sei-mas-nao-devia

  3. Há quem vista cães. Há quem atrele humanos.

    Por um lado, a preocupação com alguns animais é alçada a uma dimensão humana, a ponto de serem criadas linhas de roupa, comida, hotéis para cães, produtos de beleza, jóias e outros produtos para animais domésticos. Por outro, a preocupação com os humanos diminui a passos largos. Para alguns, mais vale “abrigar” indivíduos sob as marquises da Almirante Reis do que possibilitar o acesso a uma morada digna. Mais vale dar a esmola do que promover oportunidades de trabalho e geração de renda. Depois, tentam justificar tudo com uma tal “meritocracia”.

    Na minha opinião, algumas leis servem mais a redes de comércio e de manutenção de hierarquias sociais.

    1. Totalmente de acordo. A minha primeira reacção foi: “algumas leis”?? Todas!

      Mas era o sangue a falar. Não são todas, são só muitas.

      As leis servem quem as faz.

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