Puxei um pêlo e doeu-me.
Se tiver que explicar o que é a dor a quem nunca a tenha sentido, como faço?
E como se explica o que é o calor ou o frio? E descrever a diferença entre os dois?
E porque é que não se consegue suportar ou ignorar a dor? E porque é que não me calo? 🙂
À excepção das pessoas que sofrem da síndrome de Riley-Day (um dos principais sintomas é a insensibilidade à dor), felizmente todos já sentimos dor. Por isso não é preciso explicar o que é a dor, já que o ouvir a palavra e dizê-la remete sempre para sensação desconfortável, algo que não está bem connosco e causa sofrimento, no plano sensorial ou no emocional. Já explicar um determinado tipo de dor ou o grau da mesma, faz-se por comparação ao que já se sentiu e ao que eventualmente a outra pessoa já experimentou nessa linha de sensações desagradáveis. Isto porque, como muito bem se sabe, a abordagem da dor tem de ser multidimensional. Há as características pessoais, os factores sócio-culturais (há sociedades que valorizam muito o estoicismo, por exemplo), o problema clínico, a história de vida, etc.
E como a dor é uma experiência individual (*) tem pouco sentido discutir naquela linha de despique se tal sensação é ou não dor ou se é apenas impressão estranha, ou dizer a alguém que não se sente bem “ah, tu não sabes o que são dores a sério”… até porque a tendência é para se considerar que as nossas dores são as mais difíceis e insuportáveis. Para nós são, sim.
E foi por causa desta contenção que devemos ter que não comecei logo por dizer: puxou um pêlo e doeu-lhe; mariquinhas é o que é 😉
O frio e o calor também são sensações e percepções, que podem não ter correspondência com a temperatura real. O que é o frio e o que é o calor, pode ser descrito através das sensações que vêm do aumento ou do abaixamento da temperatura corporal.
Voltando à dor.
Não devemos ignorar a dor porque, tal como o medo, ela cumpre uma função importante de defesa e de protecção. Não é por acaso que as pessoas que sofrem do tal síndrome de Riley-Day morrem muito cedo, sobretudo por acidentes em situações muito básicas do dia-a-dia. Por exemplo, é muito fácil queimarem-se.
O não se poder suportar a dor.
O que é aqui o não se suportar? Será deixar de conseguir ser funcional ou deixar de funcionar normalmente? (E os mecanismos de adaptação ou ajustes, entram aqui ou não?)
“Não conseguir suportar” não será muito subjectivo e eventualmente alterável ao longo da vida?
Vou dar um exemplo passado comigo.
Na artroscopia que há cinco anos me fizeram ao punho, deixaram uns ferros durante algumas semanas e que depois foram tirados sem qualquer sedação, “a sangue frio”, como se diz. Uma hora e tal depois, desmaiei com o que chamei / identifiquei ter atingido o meu ponto máximo (para aquela altura) do meu limite possível de sentir dor.
Passado isso, quando tenho de caracterizar uma dor quanto ao grau e pensando numa escala, recordo-me sempre daquela fasquia.
As más experiências, neste contexto ou noutro, também têm algo de protector em relação ao suportar da vida em geral. Às vezes, perante uma situação que não nos agrada, dizemos “mas há pior”. Ou já estivemos lá, nesse pior, ou a história de vida permite-nos adivinhá-lo.
(*) Sim, também há os problemas das comunidades ou grupos, e uma dor que pode ser designada de ‘dor colectiva’.
A Isabel falou apenas da dor física. Mas há a dor psicológica que, no meu caso, há muitos anos atrás, estrangulou, picou com mil agulhas o estômago, quase me desfez.
Não creio que alguma vez tenha sido dor física.
inconfessável, não me referi apenas à dor física. Logo no princípio disse “… remete sempre para sensação desconfortável, algo que não está bem connosco e causa sofrimento, no plano sensorial ou no emocional.”
O que não fiz, como já é meu hábito não fazer pelo facto de não concordar que se faça em abordagens genéricas, foi atribuir mais ou menos importância ou mais ou menos significado à natureza da proveniência da dor. Não costumo alinhar em discussões, mais despiques que não levam a lado nenhum, em que uma parte diz que a dor física é pior e o outro lado diz que a dor emocional é que está lá em cima em termos de dificuldade.
A dor é sempre algo desagradável e do domínio do sofrimento, em que muitas vezes as duas ordens – física e emocional – até se embrenham, e aborrece-me que se valorize mais uma do que outra e que não consigamos ser mais humildes e generosos para atender aos outros com a desculpa de que as nossas dores são maiores. Revolta-me ouvir aquele ‘ditado’ que diz “com as dores dos outros posso eu bem”.
O exemplo que referi foi de dor física porque não costumo falar das outras dores em espaços de acesso público. Em parte por reserva. (Mas também por outras razões.) É que falar das dores emocionais implica falar das dimensões mais privadas e íntimas da vida. Como se organiza, processa e se sente uma parte que obedece a menos regras e por isso tem imensas fragilidades. E como o que é frágil – o que é ao mesmo tempo fraco e forte – deve ser tratado com especial cuidado, julgo e tento tomar para mim que devemos escolher muito bem os ‘sítios’ e as circunstâncias em que expomos a parte das dores emocionais, e desviarmo-nos de as deixar escorregar de outra forma.
Não estava a querer entrar em despiques, nem em discussões, Isabel.
Também não estava a dizer que uma é superior à outra. Disse, apenas, que essa também existe e quis falar dela.
É a vantagem de ser anónima, posso falar do que me apetecer. 🙂
(Eu percebi 😉 Só aproveitei para dizer que não me identifico com esse tipo de discussões.)
Anónima?!
Pelo facto de não usares o teu verdadeiro nome? Para efeitos aqui destas ‘coisas’, ‘sítios’, o que é que eu sou menos anónima em relação a ti, que uso parte do nome que está no cartão de cidadão?
(Já uma vez discutimos isso por aqui ;))
Dores? Há tantas!
a dor de um momento
a dor divina
a dor de ser (quase)
a dor sem fim
a dor de compreender
a dor de já não poder crer
a dor sem força
a dor de não saber porque se vive assim
a dor do esquecimento
a dor que desatina sem doer
a dor da ausência
a dor que entope a fala
a dor dos desastres recorrentes
a dor que nada cura
a dor de sal
a dor do medo
a dor de garganta
a dor de não poder pedir ajuda
a dor de precisar de ajuda
a dor que oprime
a dor de quem parte
a dor da carne
a dor do costume
a dor das cuecas livres
a dor que quebra o corpo
a dor da inexistência
a dor de fazer chichi no chão
a dor das árvores que dormem
a dor de não saber
a dor completa
a dor de amar alguém de um país estranho
a dor da morte
a dor do tédio
a dor de viver
a dor funda e estagnada
a dor indefinida
a dor de pensar
a dor do horror
a dor de continuar
O que quer dizer “a dor das cuecas livres”?
Nunca tinha ouvido tal expressão.
(Confesso que até fui ao Google pesquisar, mas não dei com nada para além de modelos de cuecas.)
Eu sei lá, isto é tudo liberdade a mais para mim 😀
O que dizemos ou fazemos depende do contexto onde estamos e a quem nos dirigimos.
O anonimato, retira-nos o peso da consequência.
E quando se fala para pessoas que não se conhece retira o resto. É como falar para os seu botões.
É o que me acontece por aqui.
Notem que tenho muito apreço pelos meus botões 🙂
Já sim, Isabel, já discutimos o assunto 🙂
É isso Luís
No fb, estou em nome próprio e tenho escrito sobre memórias antigas, da adolescência, mas tenho de ter o cuidado de não contar toda a verdade.
Por exemplo,não posso contar nada do meu primeiro casamento, sobre o pai do meu filho mais velho,e ás vezes são coisas engraçadas, outras nem tanto. No fundo, é a minha visão sobre uma época, sobre a educação que se dava, em Portugal, nos anos 50 e 60 que se reflectiu na minha vida.
Vou passar a escrever no blog e lá posso escrever o que me apetecer
O Google+ tinha uma coisa que eram os círculos, que é o que se passa na realidade.
Por exemplo se estiver no trabalho falo dumas coisas de uma maneira, se estiver com família falo de outras coisas de outra maneira.
No facebook sei que há quem faça listas ou grupos, para simular isso.
Mas para além do trabalho que dá, por vezes aquilo é exposto a gente fora da lista, e o que transparece é que se foi posto à parte.
As pessoas que fazem parte dos meus círculos físicos não vêm as coisas que faço e escrevo.
Não deixa de ser curioso 🙂 mas simplifica-me a vida nas parvoíces que digo.
Quando escrevia no facebook, a minha contabilista disse-me uma vez que lhe custava a acreditar que a pessoa que dizia aquelas coisas era a mesma que falava com ela 😀
Por mais que se diga que não, a credibilidade duma pessoa que entra numa reunião a falar de números muito sérios fica um pouco afectada se umas horas antes estava a cantar na rua em cuecas muito livres. 🙂
Engraçado o que aqui foi dito. Nunca somos completamente livres, estamos sempre condicionados pelos que nos rodeiam. Já me aconteceu, e a muita gente com certeza, estar numa reunião de gente séria e ter pensamentos cómicos e começo a rir-me para dentro. Mas será que não condicionamos os nossos próprios pensamentos?
Quanto à dor, é algo tão natural que se estivermos atentos está sempre presente, de uma forma ou de outra. Por essa razão, sou muito distraída.
Pensar, a gente pensa desalmadamente, nem dá para parar. Graças a deus que o falar não é assim.
Só diz o que se quer e/ou apetece. Quando não me apetece não falo. E há pessoas com quem não faço mesmo questão de falar.
Olha se pensar fosse assim, “Hoje não me apetece pensar comigo”. Ó pá azarito, tem de ser!
E sobre a dor continuo na mesma. Se tiver que explicar o que é a dor a quem não saiba (como o neptuniano que chegou cá a casa ontem), como faço?
O priberam diz que é “Sensação mais ou menos aguda mas que incomoda”
É tão vago que podia ser qualquer coisa. A comichão é uma sensação que incomoda. É uma dor?