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Da cena dos aniversários

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O tempo. A gente gosta de fazer marcas no tempo por um motivo qualquer.
E nem vou por aí agora, para haver uma mínima probabilidade de registar o que me trouxe aqui.

O tempo tem três estados reconhecidos. Passado, presente e futuro.
Os aniversários tendo a ver com o tempo que passa, há-de cair numa dessas três categorias.

Celebrar o passado faz sentido na conclusão de algo que tenhamos feito, e que seja digno de memória. É preocupante dizer que o nascimento é o momento mais merecedor de reconhecimento do meu passado. Se forem fazer uma festa na data do meu nascimento, façam-na aos meus pais, que eu para aí participei zero.

Há várias coisas do meu passado que podia festejar e relembrar com prazer.
O nascimento não é uma delas. Não me lembro, nem tenho nada a ver com isso.

Celebrar o futuro, nem vale a pena gastar tinta. Já lá dizia o João Pinto, prognósticos só no fim do jogo.

Resta o presente. Acho que é isso que celebramos, o presente. Celebramos o facto de se estar vivo.

A cada ano, lembramos fulano de tal: É pá, estás vivo, Parabéns.

(A excepção são as crianças, claro. Essas celebram com enorme prazer como fonte de receita 🙂

11 comments

  1. Luís, este post é curioso. Para mim, é.

    Porque eu nunca festejei o meu aniversário.
    Eu nunca tive uma festa de anos, nesse sentido tradicional. Nem em criança, nem quando fiz cinquenta… E refiro este número porque me perguntaram muito com admiração.
    E isso não aconteceu porque nunca senti necessidade ou vontade. Talvez por não me identificar com esse conceito tradicional de festa. Normalmente faço algo que me agrada e gosto que as pessoas de quem gosto muito se lembrem, ao mesmo tempo que detesto que as outras o façam por frete ou só porque sim.

    A propósito dessa questão de se festejar o nascimento e de fazer ou não sentido…
    Sim, talvez haja outras datas que sejam mais importantes festejar e não têm necessariamente de corresponder a acontecimentos bons, mas à forma como certas situações foram resolvidas.
    Por exemplo, faltam dois dias para completar três anos que tive um acidente. Não costumo trabalhar nesse dia e dá-me imenso gozo arranjar uma nesga que seja duma coisa que gosto de fazer. É muito mais importante do que festejar o meu aniversário. Aquilo foi bom? Não. Mas teve um bom desfecho. A sensação de ganhar no meio da adversidade.
    E isto vai dar no celebrarmos o presente, o facto de se estar vivo.

    1. Luís, assim como a Isabel, também não gosto de comemorar o meu aniversário, mas, de vez em quando, agradeço quando me convidam para uma festinha de ano ou de celebração do presente.

      Isabel, festejar a vida no dia em que um acidente completa ano é uma boa ideia. 😀

      1. Cássio, às vezes também me acham estranha por causa deste tipo de coisas (porque parece haver outras esquisitas!), talvez por se fixarem no lado denso de triste dos acontecimentos. Mas para mim não é isso que conta, mas sim o bocado bom que ficou e os outros bocados bons que se erguem.
        Claro que esses bocados também se agarram muito, provavelmente até mais, nos momentos felizes, mas creio que de forma menos notória e impactante.
        Cumprir objectivos na adversidade não tem a mesma expressão que cumprir os mesmos objectivos quando o percurso é linear.

        Mas estou a pensar noutro aspecto que julgo condicionar o assinalar de datas associadas a situações menos boas. É a dificuldade em incorporar a tristeza na nossa vida, que, não raro, costuma vir amarrada ao “esquece lá isso”.
        Fazer de conta que não aconteceu – que afinal é o “esquece lá isso” – retira-nos dimensão humana. A memória é uma excelente trabalhadora – embora muitas vezes reclamemos – e com o resto sofrido que nos deixa, convém fazer as pazes e pô-lo a dançar com a zona feliz.
        E isto não é poesia, é a realidade.

        1. Isabel, puseste-me a pensar se no plano colectivo a maioria das datas comemorativas não corresponderia a situações não muito boas que acometem as nossas vidas e a vida dos outros (dias nacionais, feriados disso e daquilo…). Então, por que estranham quando no plano individual decidimos por celebrar o acontecimento de uma batalha pessoal? Penso que tu tenhas respondido; se ainda não, ao menos, deixaste uma dica: “É a dificuldade em incorporar a tristeza na nossa vida, que, não raro, costuma vir amarrada ao ‘esquece lá isso’.”

      2. Cássio, não é bem não gostar, é mais não perceber porque se fazer disso uma grande coisa. Se é para se juntar pessoas de quem se gosta é melhor fazê-lo durante o ano. Porque se não for assim, quase não vale a pena. É como picar o ponto. Bom, se calhar não gosto mesmo.

        1. Compreendo. E, por vezes, o motivo do aniversário faz-nos reunir com pessoas de quem necessariamente não gostamos; refiro-me especialmente aos tempos de miúdo. Quando vez ou outra se fazia uma festa de ano, tinha ali familiares e pessoas com quem não gostaria de compartilhar o momento, mas era miúdo e, então, em geral se está forçado em costumes sociais.

    2. Isabel, em criança não tinhas prendas? Tinha poucas, mas havia uma pessoa que me dava me telefonava a perguntar o que queria, era uma alegria 🙂

      1. Luís, em criança tinha algumas prendas, poucas também.
        No aniversário eram coisas que faziam falta e eram canalizadas para aquele dia. No natal tinha uma, e às vezes duas, de pessoas diferentes, que podia escolher dentro de um universo que me era apresentado.
        Muito, muito novinha, tinha uma prima, que depois morreu, que trazia ou mandava brinquedos muito especiais para mim que comprava nos Armazéns do Chiado. Isso realmente tinha o sabor a prenda. Era o que eu gostava e ela procurava saber com antecedência.

        Em adultos parece ser difícil manter a magia das prendas que existe na infância. E até nem devia porque ela, a magia da prenda, não precisa de muito em termos materiais. Precisa essencialmente de ser única, de estar associada a quem recebe.
        Tenho pensado muito nisto por causa da minha neta, que tem quatro anos e meio.
        Da última vez que ficou comigo perguntou-me se eu podia arranjar uma prenda para levar ao pai. Disse-lhe que sim e que podia escolher, que eu comprava. Muito rápida, respondeu: “Tu não estás a perceber nada. Não vais comprar… Para o meu pai é uma coisa só dele… Não tens aquelas cartas?” Sim, e eu fiz um embrulho com a correspondência que entretanto tinha chegado para o pai. E ela sabia que estavam lá facturas, coisas para pagar, que eu expliquei-lhe e que o pai podia não achar graça… “Mas isso é uma coisa só dele, não há igual.” E o pai gostou, percebi que mais do que se ela tivesse pedido para comprar uma coisa igual a mil pessoas.

        Cássio, tenho de te responder aqui.
        Relativamente ao que disse sobre o festejar uma batalha pessoal, para utilizar as tuas palavras, que também foi feita de tristeza, não quis defender que nós devemos dar de comer às angústias. Isso seria masoquismo.
        Quando se decide celebrar é porque há mais de bom do que de mau, mesmo que esse bom, o tempo renovado, também tenha sido feito com tristeza.
        Aceitar bem festas, comemorações, à margem do formato trivial também é uma forma de generosidade.

  2. Adoro festejar os anos, é um dia que me comove.
    Não celebro o nascimento, mas o tempo que passa e a felicidade de estar nele. Gosto muito do tempo que passa.
    Também celebro o dia em que me separei. Bebo um copo à minha saúde mental.

  3. Inconfessável, celebrar o dia de certas separações é muito boa ideia. Nem sei porque não é mais praticada.
    Porque as insanidades mentais têm que ser bem escolhias, a bem da sanidade mental

  4. É isso mesmo, Luís. Nunca as que nos são impostas

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