Lembro-me de ter visto nas ‘noticias’ imagens do Assange no dia a dia, a tentar andar de skate, etc.
Nada me espanta, que a embaixada envie esses vídeos, que a imprensa os publique e que nada disto espante.
O giro é que hoje também me lembro de ver nesses vídeos passagens da vida intima e sexual do Assange.
Mas não sei se me lembro por ter visto ou sonhado. Ambas são memórias de coisas que vivi.
Se quiser saber se sonhei ou vi, tenho que ir ver outra vez os vídeos que nem devia ter visto.
A propósito de memória, e sem ligar nada se está ou não relacionado com o teu texto, lembrei-me imediatamente de um excerto que li no início do ano em “Rayuela – o jogo do mundo”, ‘o livro’ de Cortázar, e que copiei para as minhas coisas.
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Mas o que é a memória senão a língua dos sentimentos
É triste chegar a um momento da vida em que a naturalidade e a realidade se tornam inimigas sem se saber porquê. Há uma altura em que o natural soa espantosamente a falso, em que a realidade dos vinte anos se acotovela com a dos quarenta e em cada cotovelo há uma lâmina que nos corta as mangas do casaco.
Apaixona-me o hoje, mas sempre a partir do ontem (eu disse que me hapaixona?), e é dessa forma que na minha idade o passado se torna presente e o presente é um futuro estranho e confuso, no qual os rapazes de pullover de malha e as raparigas de cabelo oleoso bebem os seus cafés-crème e se acariciam com uma graça lenta de gatos ou de plantas.
Cada vez sentirei menos e recordarei mais, mas o que é a memória senão a língua dos sentimentos, um dicionário de caras e dias e perfumes que reaparecem como os verbos e adjectivos no discurso, antecipando-se com avidez à coisa em si, ao presente puro, entristecendo-nos ou ensinando-nos por substituição até que o próprio ser se torna substituto, a cara que olha para trás arregala os olhos, a verdadeira face apaga-se lentamente, tal como nas velhas fotografias.
Julio Cortázar | Rayuela – O jogo do mundo, 1963
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A memória como língua dos sentimentos é uma imagem, ou metáfora, muito bem conseguida.
Sobretudo o primeiro parágrafo, fez-me parar um bocado maior.
Sobre o cada vez sentir menos e recordar mais, não sei dizer. Talvez tenha que envelhecer mais para perceber.
( Nota sobre “hapaixona”… Ao longo deste livro, Cortázar criou várias palavras novas; como se as existentes não lhe bastassem. Também um exercício divertido.
São interpretações minhas.)
no meu caso é mais confusão que memória
Foi por causa do teu título – memórias – que me lembrei.
quem associa seus males espanta, é assim não é? 🙂