Eu tinha 9 anos de idade quando fui com a minha mãe visitar o meu tio que tinha sido preso envolvido no chamado assalto ao Quartel de Beja.
Era militar. O Capitão Pestana tinha sido preso. Não tinha sido propriamente espancado mas tinha sido sujeito durante 8 dias à tortura do sono.
Fui visitá-lo ao Aljube que era para quem não conhece uma prisão das mais odiosas, das mais deprimentes, das mais pesadas. Onde havia as celas chamadas curros. Onde as pessoas não cabiam de pé. Não tinham iluminação. Passavam o dia inteiro entre o agachado e o deitado. E onde aguardavam ser transportados para a António Maria Cardoso para serem torturados lá.
E o meu tio teve 8 dias de tortura do sono. E finalmente houve licença para a visita. E a visita era uma fiada de grades. Nós. Outra fiada de grades. O individuo no meio. Outra fiada de grades. O preso. Outra fiada de grades.
E quando o meu tio apareceu ele estava de tal maneira desfigurado que não o reconheci. E depois finalmente percebi que era o meu tio Chico. E começaram a vir as lágrimas aos olhos e comecei a choramingar.
E a minha mãe agarrou-me num braço apontou-me um PIDE e disse:
«Em frente de gente desta não se chora»
Eu, frente de gente desta nunca mais chorei na minha vida nem nunca mais chorarei.