A alienação é demasiado doce e a liberdade demasiado amarga, porque está demasiado próxima da solidão. E da loucura.
É justo amarmos a virtude, estimarmos as boas ações, ficarmos gratos aos que fazem o bem, renunciarmos a certas comodidades para melhor honrarmos e favorecermos aqueles a quem amamos e que o merecem.
Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la?
Veja-se como, ateado por pequena fagulha, acende-se o fogo, que cresce cada vez mais e, quanto mais lenha encontra, tanta mais consome; e como, sem se lhe despejar água, deixando apenas de lhe fornecer lenha a consumir, a si próprio se consome, perde a forma e deixa de ser fogo.
Os audazes, para que obtenham o que procuram, não receiam perigo algum, os avisados não recusam passar por problemas e privações. Os covardes e os preguiçosos não sabem suportar os males nem recuperar o bem. Deixam de desejá-lo e a força para o conseguirem lhes é tirada pela covardia, mas é natural que neles fique o desejo de o alcançarem.
A liberdade é a única coisa que os homens não desejam.
Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres.
Os médicos aconselham a não se tocar com a mão nas chagas incuráveis; não é, pois, sensato que eu dê conselhos a um povo que há muito perdeu a consciência e cuja doença, uma vez que ele já não sente dor, é evidentemente mortal.
Se nós vivêssemos de acordo com a natureza e com os seus ensinamentos, seríamos naturalmente submissos à razão e de ninguém escravos.
Há na nossa alma uma semente natural de razão, a qual, se cultivada com bons conselhos e bons costumes, floresce em virtude; se, pelo contrário, é atacada pelos vícios, morre de asfixia e aborta.
a natureza nos ter feito todos iguais, com igual forma, aparentemente num mesmo molde, de forma a que todos nos reconhecêssemos como companheiros ou mesmo irmãos.
Ao fazer as partilhas dos dons que nos legou, deu, mais a uns do que a outros, certos dons corporais e espirituais; mas é igualmente certo que não pretendeu pôr-nos neste mundo como em campo fechado, nem deu aos mais fortes e aos mais avisados ordem para, quais salteadores emboscados no mato e armados, dizimarem os mais fracos.
É de crer, isso sim, que, favorecendo alguns e desfavorecendo outros, pretendia dar lugar à fraterna afeição, dar-lhes meios de se manifestar, pois se a uns assiste o poder de ajudar, os outros tinham necessidade de ser ajudados.
Esta boa mãe deu-nos a todos a terra para nela morarmos, albergou-nos a todos numa mesma casa, moldou-nos a todos numa mesma massa, para assim todos podermos mirar-nos e reconhecer-nos uns nos outros; a todos em comum outorgou o grande dom da voz e da palavra para sermos mais amigos e mais irmãos e, pela comum e mútua declaração dos nossos pensamentos, estabelecermos a comunhão de nossas vontades.
Começamos a domesticar o cavalo, desde o momento em que ele nasce, preparamo-lo para nos servir e não podemos glorificar-nos de que, uma vez domado, ele não morde o freio e não se empina quando o esporeamos.
Uma coisa é certa, porém: os homens, enquanto neles houver algo de humano, só de deixam subjugar se foram forçados ou enganados.
Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter perdido não a liberdade mas a servidão.
Dignos de dó são os que nasceram com a canga no pescoço.
Devem ser desculpados e perdoados, pois, nunca tendo visto sequer a sombra da liberdade e ninguém lha tendo mostrado, não sabem como é mal serem escravos.
Nunca se lastima o que não se conhece, só se tem desgosto depois de ter gozado o prazer, depois de se ter conhecido o bem e se recordar a alegria passada.
Têm de guardar só para eles as suas fantasias. Razão tinha Momo para zombar, quando censurou o homem forjado por Vulcano, por não lhe ter feito no coração uma janela através da qual pudessem ser vistos os seus pensamentos.
Entre homens livres, todos disputam invejosamente quem há de ser o primeiro a servir o bem comum; todos desejam ter o seu quinhão no mal da derrota ou no bem da vitória. Mas as pessoas escravizadas, além desta falta de valor na guerra, perdem também a energia em todo o resto, têm o coração abatido e mole e não são capazes de grandes acções.
Trouxeram-lhe a notícia de que os de Sardes se tinham revoltado. Não desejando saquear uma tão bela cidade nem querendo destacar para lá um exército que a vigiasse, recorreu a um outro expediente. Fundou nela bordéis, tabernas e jogos públicos.
Não davam conta, os néscios, de que recuperavam dessa forma parte do que era seu e que não podia o tirano dar-lhes coisa que não lhes tivesse furtado antes.
Os reis assírios, e depois deles os medos, só apareciam em público o mais tarde possível, ao anoitecer, para a populaça julgar que eles tinham algo de sobre-humano, assim iludindo as gentes propensas ao devaneio e amigas de imaginar aquilo que não vêem claramente visto.
Até os mesmos tiranos se espantavam com a forma como os homens podem suportar um homem que lhes faz mal.
Quem pensar que as alabardas dos guardas e das sentinelas protegem o tirano, está, na minha opinião, muito enganado.
São sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão.
Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado. E abaixo de todos estes vêm outros.
Quem queira perder tempo a desenredar esta complexa meada descobrirá abaixo dos tais seis mil mais cem mil ou cem milhões agarrados à corda do tirano; tal como em Homero Júpiter se gloria de que, puxando a corda, todos os deuses virão atrás.
E, pelos favores, ganhos e lucros que os tiranos concedem chega-se a isto: são quase tantas pessoas a quem a tirania parece proveitosa como as que prezam a liberdade.
O tirano submete a uns por intermédio dos outros.
É assim protegido por aqueles que, se algo valessem, antes devia recear, e dá razão ao adágio que diz ser a lenha rachada com cunhas feitas da mesma lenha.
É bem conhecida a palavra daquele que, vendo a descoberto o colo da mulher amada, sem a qual parecia não poder viver, a acariciou, dizendo: este belo pescoço, logo que eu o ordene, pode ser cortado.
A verdade é que o tirano nunca é amado nem ama.
Não cabe amizade onde há crueldade, onde há deslealdade, onde há injustiça. Quando os maus se reúnem, fazem-no para conspirar, não para travarem amizade. Apoiam-se uns aos outros, mas temem-se reciprocamente. Não são amigos, são cúmplices.
A raposa respondeu ao leão que se fingia doente: “De boa mente entraria no teu covil; mas só vejo pegadas de bichos que entram e nenhuma dos que dele tenham saído”.
Que tormento, que martírio este, Deus meu: viver dia e noite a pensar em ser agradável a alguém e, ao mesmo tempo, temê-lo mais do que a qualquer homem!
Pelo menos ao nível micro – e confesso que se trata de uma questão que ultimamente tem captado muito a minha atenção, a analisar os gestos e as palavras – apregoa-se mais a necessidade e importância da liberdade como um bem de que estão sequiosos, do que se tem conduta que faça caminho em prol da liberdade. É bastante fácil apanhar soluções hipócritas nesta dissonância entre o discurso e a prática. Mas porque haveria de ser diferente se a dependência dá tanto jeito, que para além de nos tirar trabalho, ainda nos protege da solidão e até massaja o ego?!
essa é uma eterna batalha aqui do je