Quando era puto e frequentava cafés, às vezes encontrava um gajo que me deixava sempre fascinado. Contava histórias sobre um olho, e sobre nós sentados à fogueira. Era bom quando o encontrava.
Anos mais tarde dei com ele novamente. Estava inchado e parecia anestesiado. Falava e mexia-se muito, muito devagar. Depois disso passei por ele mais algumas vezes. Às vezes estava só ali, de pé encostado a uma esquina.
Disse-me que estava a ser medicado.
Aquilo custou-me imenso, amaldiçoei as drogas que castram e transformam olhos em vegetais.
Depois um dia, ele diz-me que estava muito melhor assim. Sentia serenidade, sem infernos que o perseguissem.
E eu aprendi que é impossível aprender a sentir pelos outros.
Ps. Ainda há cafés para frequentar?
A tua frase antes da foto daria pano para mangas e fiquei aqui pendurada a pensar porque não tinha equacionado a questão nestes termos. De facto, por muito que cultivemos a empatia. o melhor que podemos conseguir é uma breve aproximação ao que vai na alma dos outros.
Ainda há cafés, sim. Em menor número, mas há. Mesmo nas grandes cidades. Tenho andado atenta a isso nos locais onde vivo e trabalho, quando visito outras cidades, quer em Portugal como no estrangeiro.
O café, este café, é sobretudo um espaço onde se estabelecem relações de solidariedade ainda que muitas vezes pouco perceptíveis como tal, e num nível que parece básico para estabelecer a diferença no nosso lado de dentro.
Eu tenho três cafés. Um na terra em que trabalho e que frequento todas as manhãs de segunda a sexta. E tenho dois na cidade onde resido que frequento só aos fins-de-semana e nas férias, um de manhã e outro a meio da tarde quando me apetece ler e escrever um bocado fora de casa, mas num ambiente calmo.
Nos meus cafés chega-me à mesa o que quero sem ter de o dizer, há um cumprimento cúmplice, se tiver uma nota maior há um “paga para a próxima; é da casa”, as pessoas de outras mesas e que são atendidas como eu perguntam se quero ver o jornal, há quem pergunte “o que se passou?” se me virem a coxear mesmo que nunca tenhamos falado e eu faço o mesmo, há a sensação de não se ser apenas mais um… O meu café é um café com pessoas que têm vida, os outros cafés têm clientes.
Mas também há pessoas que não querem ter café, que preferem um ambiente asséptico de afectos.
Pois o máximo é mesmo uma aproximação. Tento fazer duas coisas
Uma pensar, se me acontecesse isto o que sentiria.
Depois pensar, o gajo que está à minha frente não está a pensar, está mesmo a passar pela coisa.
Também gosto de frequentar os cafés em que não tenho que pedir, mesmo que isso queira dizer sou gajo de hábitos 🙂 Onde tenho tomado o pequeno almoço, já tenho o pastel de nata no balcão ainda antes de entrar 🙂
Nos tempos de que falava, havia os cafés onde as pessoas se encontravam sem ter nada combinado. Ia-se simplesmente sem saber quem ia aparecer, até podia nem aparecer ninguém. Eram pontos de encontro para um grupo dinâmico de pessoas.
Já não vejo muito disso, pode ser por estar cota, por os tempos estarem cotas ou não estar a ir aos sítios certos. Provavelmente é mais a ultima.