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Não acerto mesmo com os horários. Devia tomar um comprimido de 8 em 8 horas. O melhor que consegui até agora foi tomá-lo de 7 em 12 horas.

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Queria poder registar o mundo

Não sei para quê, mas queria. Acho-lhe graça, às vezes.

Estou num restaurante e à minha direita tenho um concorrente a empregado xico esperto.
Um fulano pede uma imperial e ele “Quente ou fria?”. Traz a imperial, e “são 9 euros”.

À esquerda tenho um homem, que molecularmente deve ser parecido comigo, sentado numa mesa vazia. Os olhos fecham-se, e depois a cabeça vai também. Ponho-me a imaginar como será a vida, como será a casa, duma pessoa quem vem dormir para o café.
Na televisão há ‘vidas em jogo’. Concluo que, olhando, já não consigo perceber se as telenovelas são portuguesas ou brasileiras.

Vou para a rua e tudo continua na mesma. As pessoas andam de um lado para o outro como se tivessem coisas para fazer.
E eu ali, parado, sem perceber.

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Coisas

Isto com a garganta inflamada, o tinto arranha, a aguardente arranha. Não há condições!

resolução para o ano novo: afogar-me num litro de água
quem diz água diz outra coisa qualquer: cidra, benzina, acetona, óleo de amêndoas doces, ácido sulfúrico, Chanel nº5, uma coisa assim

como não escrevo nada há muito tempo vou fazer um poema: berloque

quando me calo, é quando mais preciso de falar

A caminho do trabalho resolvi que não resolvo mais nada.

Estava aqui a ver um programa antigo e ouvi uma coisa gira. Nas escolas aprende-se tanta coisa, português, matemática, desenho, etc, etc. Aprende-se a lidar com ácidos, pedras e bichos. Mas não se aprende a lidar com pessoas.

Os dias quando acabam vão para onde?

Tudo se repete. Ou seja, nada se repete.
Tinha uma argumentação e uma lógica para ir duma coisa outra, mas resolvi pôr a versão curta e gastar as restantes letras a dizer que escrevi pouco, escrevendo muito.

Recordações de quando jantava na adega dos passarinhos sentado em sacos de batatas.

Que hoje ao acordar houvesse um aviso à porta:
O mundo está fechado para obras. Está a pintar. Volte mais tarde.

Nunca é tarde. Mas às vezes dá jeito pensar que é.

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Viagem ao centro da terra

Enquanto esperamos pelo inicio pedem-nos para assinar um termo de responsabilidade. Que não sofremos de nada de grave e que aceitamos o que nos possa acontecer. Acho graça e levo a coisa na brincadeira.

Vêm buscar-nos num autocarro, com todas as janelas tapadas com plásticos pretos. Não se sabe para onde nos levam. Pedem-nos para tirar os sapatos, relógios, carteiras, etc. Fica tudo num saco debaixo da cadeira. A saída do autocarro dá diretamente para um túnel escuro. Seguir em frente sem saber para onde.

Entra-se na floresta do sussurro. Está completamente escuro, e temos que andar em frente sem ver absolutamente nada. Lá vou andando como um zombie dos filmes, com os braços à frente com receio de bater em algo. Conforme andamos, há atores que se encostam a nós e sussurram ao ouvido pequenos textos.

No tunel do Midiotauro, há um negro enorme com cabeça de touro que pega numa moça do grupo e desaparece com ela. O homem que a acompanhava fica ali parado, de olhos esbugalhados, sem saber o que fazer. Lembro-me também do homem a cavalo que passa por nós a galope.

Esta foi talvez a experiência mais aterradora. Passamos por uma sala em que sentados à fogueira, tínhamos que escolher o caminho que iríamos seguir. Escolhi o que vim a descobrir ser o caminho da cruz.

Fui amarrado a uma cruz no chão e, como se não bastasse, vejo uma bola enorme a vir na minha direção. Só tive tempo de encher o peito de ar, momentos antes de passar por cima de mim.

É claro que também houve momentos com mais piada. Na sala do safe sex, os atores estavam nus metidos nuns preservativos gigantescos. A ideia era que ao passar nos tocássemos e por ai fora… Mas sempre protegidos 🙂

Que salas me lembro mais? Duma em que numa escuridão absoluta nos dão uma corda para a mão, temos que a seguir como guia para chegar ao destino. Dão uma recomendação, ao avançar não largar a mão de trás antes que a da frente esteja e a segurar bem a corda, ou seja ter sempre uma mão em contacto com a corda para não a perdermos. Até porque os atores na escuridão abanam e mexem na corda.

Lembro-me também da sala que penso ser a do Anjo, em que depois de uma série de salas escuras e sombrias, entramos numa sala completamente branca e muito iluminada. Lá tivemos que cantar e passar por uns rituais que simbolizavam a purificação.

E mais que puros, ficamos limpos. A seguir deram-nos uns sacos para pormos a roupa e depois passarmos nus por um túnel de onde caía sobre nós uma água muito fina, aspergida.

Havia um túnel para homens e um para mulheres, mas não era obrigatório. A namorada de um homem do grupo foi com ele no nosso túnel. Havia também a possibilidade de não passar por estas salas porque vi algumas pessoas de mais idade saírem pelo lado.

Depois do duche, entra-se para uma sala onde todos brindamos com vinho.

E finalmente, já puros e lavados, lá fomos levados para o autocarro que nos levou de volta ao ponto de partida.

Viagem ao centro da Terra, Rio de Janeiro 2001

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