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Da cena dos aniversários

O tempo. A gente gosta de fazer marcas no tempo por um motivo qualquer.
E nem vou por aí agora, para haver uma mínima probabilidade de registar o que me trouxe aqui.

O tempo tem três estados reconhecidos. Passado, presente e futuro.
Os aniversários tendo a ver com o tempo que passa, há-de cair numa dessas três categorias.

Celebrar o passado faz sentido na conclusão de algo que tenhamos feito, e que seja digno de memória. É preocupante dizer que o nascimento é o momento mais merecedor de reconhecimento do meu passado. Se forem fazer uma festa na data do meu nascimento, façam-na aos meus pais, que eu para aí participei zero.

Há várias coisas do meu passado que podia festejar e relembrar com prazer.
O nascimento não é uma delas. Não me lembro, nem tenho nada a ver com isso.

Celebrar o futuro, nem vale a pena gastar tinta. Já lá dizia o João Pinto, prognósticos só no fim do jogo.

Resta o presente. Acho que é isso que celebramos, o presente. Celebramos o facto de se estar vivo.

A cada ano, lembramos fulano de tal: É pá, estás vivo, Parabéns.

(A excepção são as crianças, claro. Essas celebram com enorme prazer como fonte de receita 🙂

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Aceitação

Se me quisessem cortar uma perna, é claro que resistiria até à última. Mas se vier a dor em quantidade e duração suficiente, peço para me cortarem a perna e a outra se for preciso. Qualquer coisa para parar a dor. A dor física ou emocional é um excelente instrumento de aceitação.
A dor serve para saber que algo está mal, mas também para aceitar o inaceitável.

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O badalo

badalo

Tenho uma teoria que a maior parte dos homens põe o badalo para a esquerda.
Teoria não baseada em factos, que há coisas que não tenho interesse em observar.

Digo isto porque quando se guarda o brinquedo com a mão direita, ele fica naturalmente inclinado para a esquerda.
Pela mesma ordem de ideias os canhotos põem para a direita.

Quem o ponha para o meio, tem um problema.

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Acontece quando ao almoço não me canso de ser homem

Chegou um estranho individuo. De fato e lambreta, podia ser mais um ricaço relambido. Mas não, o ar perdido e a carteira de miúdo, puseram-me a pensar nos que conheci. Nos que morreram, nos que enlouqueceram e nos que foram.

No final do almoço numa mesa ao lado falavam em algo relacionando che guevara e pablo neruda e no sonho duma América latina unida. E olhei para a sensaboria sem fim em que me transformei. Mas sinto que sou o mesmo.

‘Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.’

‘Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.’

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