Isto, meus amigos, é exaltação. Exaltação feita de cimento e lágrima.
Amou daquela vez como se fosse a última | Amou daquela vez como se fosse o último | Amou daquela vez como se fosse máquina |
Beijou sua mulher como se fosse a última | Beijou sua mulher como se fosse a única | Beijou sua mulher como se fosse lógico |
E cada filho seu como se fosse o único | E cada filho seu como se fosse o pródigo | |
E atravessou a rua com seu passo tímido | E atravessou a rua com seu passo bêbado | |
Subiu a construção como se fosse máquina | Subiu a construção como se fosse sólido | |
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas | Ergueu no patamar quatro paredes mágicas | Ergueu no patamar quatro paredes flácidas |
Tijolo com tijolo num desenho mágico | Tijolo com tijolo num desenho lógico | |
Seus olhos embotados de cimento e lágrima | Seus olhos embotados de cimento e tráfego | |
Sentou pra descansar como se fosse sábado | Sentou pra descansar como se fosse um príncipe | Sentou pra descansar como se fosse um pássaro |
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe | Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo | |
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago | Bebeu e soluçou como se fosse máquina | |
Dançou e gargalhou como se ouvisse música | Dançou e gargalhou como se fosse o próximo | |
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado | E tropeçou no céu como se ouvisse música | |
E flutuou no ar como se fosse um pássaro | E flutuou no ar como se fosse sábado | E flutuou no ar como se fosse um príncipe |
E se acabou no chão feito um pacote flácido | E se acabou no chão feito um pacote tímido | E se acabou no chão feito um pacote bêbado |
Agonizou no meio do passeio público | Agonizou no meio do passeio náufrago | |
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego | Morreu na contramão atrapalhando o público | Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado |
Se tivesse só atrapalhado o sábado, não teria sido mau. Mas atrapalhou também os outros dias da semana todos e os meses do ano e deixou atrapalhação para uma década inteira.
Conclusão, flutuar assim no ar nunca é boa ideia, acabar no chão feito um pacote bêbado muito menos.
oh palavras…
carla, gosto de gente atrapalhada, os que sabem tudo são chatos comá potassa
letras e numeros que não consigo dizer, vê lá tu que acabei de pôr aqui um texto lindo, e fiz a coisa com oh palavras
Oh Pessoa, até tens razão, mas continuo a não gostar particularmente desta música, muito menos da letra, de tudo o que ela evoca e do momento a que, na minha humilde memória, ela se liga.
Os que sabem tudo são uns sabões e os sabões usam-se para esfregar nódoas – se me explicares este pensamento, dou-te um sabão azul (tenho de ir tomar os comprimidos para a febre, está bom de ver).
os que sabem tudo, esfregam-se nos que não sabem pouco
ou seja os sabões esfregam-se nas nódoas
ou seja os sabões precisam das nódoas para se cumprir
por outro lado, as nódoas estão-se marimbando para os sabões, aliás até fogem deles
aguardo o azul, mas sem o paulo fonseca
não gostar da canção pelo que evoca aceita-se, mas só assim
a musica é repetitiva? já olhaste à tua volta?
por exemplo para o planeta?
pois. construção.
a letra? como já gastei mais que devia, ponho de lado a parte poética da coisa e deixo o lado enciclopédico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Constru%C3%A7%C3%A3o_(can%C3%A7%C3%A3o_de_Chico_Buarque)
Caramba! Essa análise das nódoas e do sabão merece, qual sabão azul qual quê, uma caixa de detergente para lavar à mão. Nova, à estreia.
Deve ser por as nódoas se marimbarem para o sabão que lhes cai o melhor pano.
Com um bocado de sorte, levas o azul em lápis.
Não me expliquei bem, não gosto da música – não pela música em si, não porque não entenda o que a Wiki me acabou de contar, não porque não lhe reconheça mérito – tão-só não gosto do que ela me evoca, do acontecimento a que foi associada.
Ora, eu sou muito sensível a estas coisas, para o bem ou para o menos bem.
Também pela constatação da atrapalhação. Uma morte atrapalhou um mês inteiro e uma manhã de sexta – que chatice, havia coisas tão mais interessantes para fazer.